Tim Ballard, que inspirou ‘Som da Liberdade’, acumula acusações de crimes sexuais
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Líder da organização sem fins lucrativos, a Operation Underground Railroad, voltada à investigação de casos de crianças vitimizadas pelo tráfico sexual internacional,
Tim Ballard adquiriu muito prestígio entre representantes da direita americana, celebrado pelo próprio ex-presidente Donald Trump. No ano passado, ele lançou o filme “Som da Liberdade”, suspense sobre o combate ao tráfico baseado em sua vida e que arrecadou mais de US$ 250 milhões, se tornando um dos filmes independentes mais bem-sucedidos de todos os tempos.
Mas apesar dessas causas, Ballard guarda um lado sombrio: ele acumula acusações de agressão sexual vindas de diferentes mulheres. De acordo com o New York Times, diversos processos judiciais iniciados no ano passado afirmam que o ativista se aproveita do interesse em ajudar vítimas de tráfico, coagindo e obrigando mulheres a ter encontros sexuais, em espaços como bordéis ou clubes de strip, que alega serem parte de seu trabalho secreto.
Ex-agente do Departamento de Segurança Interna, Ballard ganhou credibilidade em diferentes esferas, como a religiosa, a judicial, mídiatica, política e inclusive a do entretenimento. Em 2020, a Operation Undergound Railroad estava arrecadando quase US$ 50 milhões anualmente através de doações. Em Utah, onde fica a sede da organização, Ballard assumiu uma forte proximidade com a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, e ele inclusive recebeu um prêmio de “Herói Patriota”, das mãos de Trump, em março desse ano,
Mas as questões sobre a conduta do Sr. Ballard na Operation Underground Railroad continuaram, e mais mulheres se manifestaram, colocando em risco o seu império. O New York Times entrevistou dez mulheres que trabalharam com o Sr. Ballard na organização e agora descrevem seu tempo lá como um pesadelo de assédios sexuais, contatos sexuais coagidos e agressões sexuais.
Jordana Bree Righter, que teve uma carreira no Corpo de Fuzileiros Navais e na aplicação da lei antes de uma década de trabalho social cuidando de sobreviventes do tráfico sexual, trabalhou por um tempo com a Operation Underground Railroad como contratada independente. Ela disse que foi convidada pelo Sr. Ballard a participar de operações e ficou chocada ao ver a organização distribuindo centenas de dólares e dizendo a potenciais traficantes que havia mais dinheiro a ser ganho se pudessem trazer meninas para eles.
Muitas dessas mulheres tinham ligações com os Santos dos Últimos Dias e disseram em processos judiciais e entrevistas que inicialmente confiaram no Sr. Ballard por causa de seu amplo reconhecimento e do apoio que ele recebeu da liderança da igreja. Em entrevistas e documentos legais, elas detalham uma tática conhecida como “truque do casal”, pela qual essas mulheres atuavam como parceiras românticas em operações secretas. Isso daria uma desculpa para Ballard não ter que se envolver com as vítimas do tráfico sexual e seria mais fácil conquistar a confiança delas a partir de uma mulher.
Esse foi o caso da cabeleireira Kira Lynch, que em certa ocasião atendeu o ex-agente em sua casa. Em entrevista ao The Times, ela disse que se interessou pelas histórias de Ballard, e que este lhe propôs que o ajudasse em uma operação como sua esposa fictícia.
Segundo ele, “Deus lhe trouxera a ideia para esse ‘truque do casal'”, afirma Lynch. Embora inicialmente tenha desconfiado da ideia, Ballard a tranquilizou dizendo que haviam regras estritas – sem beijos, sem tocar em partes íntimas – e que tudo havia sido sancionado como um meio de salvar crianças pelo “Apóstolo Ballard”, considerado pela igreja como um profeta vivo cujos ensinamentos refletiam a vontade de Deus.
Seis mulheres entraram com processos acusando o ativista de agressão sexual, algumas descrevendo situações em que ele usou sua força para dominá-las apesar de seus pedidos explícitos para parar. Três das mulheres disseram ao The Times que o testemunharam se envolvendo em encontros eróticos com trabalhadoras do sexo, que variavam de danças sensuais a sexo oral.
Muitas das mulheres descritas, em processos judiciais e entrevistas, tiveram interações iniciais semelhantes com o Sr. Ballard. Então, uma vez que ele conquistou o interesse inicial das mulheres, elas disseram que ele começou a falar graficamente sobre cenários sexuais que poderiam encontrar, com base em suas experiências passadas. “Até onde você iria para salvar uma criança?” ele perguntou a muitas delas.
Elas descrevem que se sentiram isoladas e temerosas, já que Ballard as alertava que a divulgação de detalhes operacionais poderia permitir que traficantes poderosos as identificassem e as matassem.
As coisas rapidamente se tornavam físicas, disseram várias das mulheres. Uma delas, Mary Hall, disse em uma entrevista e em registros judiciais que conheceu Ballard em seu escritório no início e ele começou a apalpá-la, beijar seu estômago e puxar a cintura de suas calças antes de ser interrompido pela entrada de outro executivo. Ela inicialmente pensou que era um teste de sua capacidade de suportar situações íntimas, mas depois expressou preocupação com o Ballard e foi descartada da organização.
Amy Morgan Davis, ex-Miss Utah que trabalhou como maquiadora do Sr. Ballard, está entre as mulheres que o acusaram de ter explorado o seu desejo de participar da causa de resgatar crianças. Ela lembrou de reuniões em que ele repetidamente dizia que deveria provar uma “conexão” entre os dois, e então fazia avanços sexuais crescentes que incluíam acariciar seu corpo com as mãos.
“É difícil compreender isso porque você realmente, em sua mente, quer que ele seja o herói”, disse ela, compartilhando sua história publicamente pela primeira vez.
Outra mulher, Sashleigha Hightower, disse em uma entrevista e em documentos judiciais que ficou tensa quando o Ballard começou a acariciar sua coxa interna e a roçar seu pescoço pouco depois de ela ter discutido sua história como sobrevivente de estupro. Ela afirma que se convenceu de que ele sabia o que estava fazendo, e que acreditava ser parte de algum procedimento profissional.
Aliados do Ballard disseram que o “truque do casal” provou ser eficaz. Alex Acosta, que começou a trabalhar com ele em 2021, focando principalmente na América Latina, disse que a estratégia era sempre discutida antecipadamente. Ele disse que os relacionamentos entre o Sr. Ballard e as mulheres da equipe sempre pareciam ser mantidos dentro de limites profissionais.
“Todas as vezes que vi isso acontecer, havia uma linha clara e nunca foi ultrapassada”, disse ele. Ele acrescentou que em seus dois anos na organização, viu mais de 100 vítimas de tráfico sexual serem resgatadas.
Victor Hugo Enriquez García, secretário de segurança pública do estado mexicano de Sonora, disse que o Sr. Ballard se mostrou hábil em coletar informações sobre locais de tráfico e depois compartilhar essas informações com as autoridades. Suas dicas às vezes levaram a prisões de pedófilos atuando no México e ao resgate de menores, disse ele. O Sr. García disse que as alegações contra o Sr. Ballard lhe pareciam falsas. Ele achou o Sr. Ballard profissional e nunca testemunhou qualquer comportamento inadequado.
Apesar disso, algumas das mulheres afirmam que muitas das reuniões com profissionais do sexo se concentravam muito mais em permitir encontros sexuais do que em obter informações sobre vítimas do tráfico. Uma delas, Celeste Borys, entrou com um processo contra o Sr. Ballard e a Operation Underground Railroad acusando-os de agressão sexual e física, fraude, infligir intencionalmente sofrimento emocional e outras alegações.
Embora os tribunais tenham rejeitado algumas das alegações legais contra Ballard, seis alegações de agressão sexual feitas pelas mulheres estão sendo ativamente litigadas, e o Escritório do Promotor do Condado de Salt Lake disse estar ciente de “investigações criminais pendentes contra Tim Ballard”. Pelo menos uma foi aberta em um condado vizinho depois que uma das mulheres registrou um relatório de agressão na polícia.
De acordo com o New York Times, Ballard insiste que não se envolveu em nenhum comportamento indevido. Ele argumentou que as mulheres que o acusavam se uniram para “repetir as mentiras umas das outras” e agora estavam atrás de milhões de dólares, e seus advogados afirmam que algumas das mulheres agiram de forma inadequada e suas histórias seriam inconsistentes.
Ballard disse que uma de suas principais preocupações se dirige aos possíveis danos que podem ser provocados sobre a missão de resgatar crianças. “Acho tão triste que todos que vieram com difamações negativas, mentiras, guerra jurídica são cúmplices do tráfico de crianças”, disse ele em um vídeo online. “Suas ações estão fazendo com que crianças sofram, sejam estupradas, sejam torturadas.”
Finalizado em 2018, o filme “Som da Liberdade” tardou em encontrar uma empresa disposta a distribuí-lo. Isso mudou quando a Angel Studios, uma empresa que havia encontrado sucesso distribuindo a série de televisão “The Chosen” sobre a vida de Jesus, adquiriu os direitos no ano passado. A empresa conseguiu arrecadar US$ 5 milhões de milhares de investidores para distribuir e comercializar o filme.
A obra ganhou mais destaque com uma campanha única de pague para frente que pediu aos espectadores que ajudassem a financiar ingressos para ainda mais espectadores. Em seu clube de golfe em Nova Jersey, Donald Trump organizou uma exibição de “Som da Liberdade”.
Antes de seu lançamento, entretanto, as preocupações sobre Ballard cresceram dentro da Operation Underground Railroad, que rompeu laços com o ex-agente. Glenn Beck, magnata da mídia americana conservadora, antes um grande apoiador de Ballard, disse em seu podcast que achou os relatos sobre os comportamentos do ativista “perturbadores” e descreveu ter se sentido “completamente enganado”.
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Fonte: noticiasaominuto.com.br