Crise faz Pivetta perder ‘selo bolsonarista’, avalia analista; entenda
fred.moraes@gazetadigital.com.br
Reprodução
A crise que tomou conta da direita mato-grossense na última semana após o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) atacar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, nome com quem Mauro Mendes (União Brasil) mantém proximidade política e alinhamento estratégico promete “prejuízo coletivo ao grupo”, Diante da ofensa, a reação de Mauro foi imediata e contundente: chamou Eduardo de “louco” e disse que ele estava “falando bobagem”, frase que viralizou e elevou a temperatura da discussão.
A partir desse ponto, o conflito deixou de ser apenas uma troca de farpas e ganhou contornos de disputa por liderança dentro da direita. Eduardo passou a atacar Mauro diretamente, questionando sua firmeza para disputar o Senado e insinuando que o governador mato-grossense teria se afastado do bolsonarismo. Mauro rebateu, inclusive durante agenda na COP 30, em Belém, afirmando que o deputado distorce fatos e tenta gerar crise para se manter relevante.
O embate não só ganhou repercussão nacional como expôs as fissuras da direita local, em um dos estados onde o bolsonarismo ainda é historicamente mais forte. Para analisar os desdobramentos desse confronto e suas implicações para 2026, o
ouviu a cientista política Christiany Fonseca, que explica o que está por trás da crise, quem perde mais e como fica o cenário eleitoral a partir de agora.
– O que realmente motivou a troca de ataques entre Mauro Mendes e Eduardo Bolsonaro? Há algo nos bastidores que explique a escalada do conflito?
Christiany: Na minha avaliação, o conflito não nasce da troca de ofensas. Essa é apenas a superfície visível. O que realmente está em disputa é quem lidera e pauta a direita em Mato Grosso e, em certa medida, no país. Mauro tenta consolidar um projeto de direita institucional, governista, que defende Bolsonaro, mas não aceita subordinação ao radicalismo. Eduardo, por outro lado, opera como guardião ideológico da identidade bolsonarista e exige lealdade absoluta à pauta da anistia e à narrativa do enfrentamento permanente.
E aqui entra um ponto estratégico decisivo: quando Mauro sai publicamente em defesa de Tarcísio, ele não está apenas respondendo a uma ofensa, ele está fazendo um movimento de posicionamento dentro da própria direita. Ao defender Tarcísio, Mauro demonstra que compreende que o capital político da direita não está restrito ao bolsonarismo raiz. Existe uma direita de governo, técnica, com capacidade de dialogar com atores institucionais, e Tarcísio é hoje o nome mais forte desse segmento.
Se Tarcísio avançar politicamente e se consolidar como alternativa presidencial da direita, Mauro teria muito mais acesso e interlocução com ele do que com a ala raiz do bolsonarismo, que é mais tutelar e menos institucional. Para um governador que mira o Senado, ter portas abertas com um eventual presidente de centro-direita é decisivo, e essa linha passa naturalmente por Tarcísio, não por Eduardo.
– Esse embate pode gerar um racha concreto na direita em Mato Grosso ou é apenas um ruído momentâneo?
Christiany: Na minha análise, não é apenas um ruído. Trata-se de um tensionamento real, mas não necessariamente definitivo. A direita mato-grossense já se organiza hoje entre dois polos: a centro-direita institucional representada por Mauro Mendes e a extrema-direita identitária representada pelo bolsonarismo e pelo PL estadual. O conflito demonstra essa divisão, mas não produz por si só uma ruptura.
O que ocorre é um choque entre duas lógicas distintas: Mauro opera dentro de um campo institucional, de governo, de articulação; o bolsonarismo opera dentro de uma lógica ideológica, disciplinadora e identitária. Quando essas duas matrizes se encontram em rota de colisão, o ambiente político tensiona, mas isso não significa que os lados caminhem para um rompimento definitivo.
E vale dizer: não é um divórcio terminal. Mato Grosso funciona politicamente de forma pragmática. Tensões que hoje parecem difíceis de acomodar podem ser resolvidas no processo de construção da próxima eleição, a depender do cálculo estratégico de cada ator envolvido.
O que muda agora é o tipo de relação: a naturalidade da convivência se fragilizou. Daqui em diante, a relação passa a ser mediada por negociação e não mais por alinhamento automático.
– Como esse conflito afeta diretamente a pré-campanha de Otaviano Pivetta e a construção do apoio bolsonarista no estado?
Christiany: Há um impacto sobre Pivetta. A pré-campanha dele estava assentada em 3 elementos centrais: a continuidade administrativa, a força do governo Mauro Mendes e a expectativa de diálogo com o bolsonarismo. Com o conflito, o terceiro elemento, que funcionava como uma espécie de selo de legitimidade entre os conservadores, se enfraquece substancialmente.
O eleitorado de direita em Mato Grosso passou a enxergar Pivetta não apenas como o candidato do governo, mas como parte de um grupo que entrou em rota de colisão com a família Bolsonaro. E num estado onde a identidade bolsonarista ainda é muito forte, isso tem impacto eleitoral real.
Pivetta não perde apenas apoio simbólico, ele perde acesso a um universo de militância que mobiliza, pressiona e oferece lastro digital a qualquer candidatura alinhada ao PL. Sem essa aderência, sua campanha precisará se reinventar, buscando novas estratégias para ocupar um espaço que antes parecia garantido. O conflito não inviabiliza sua pré-campanha, mas a deixa mais vulnerável e mais dependente do desempenho pessoal de Mauro na articulação política.
– O eleitorado de direita em Mato Grosso tende a ficar ao lado de Mauro ou do grupo de Bolsonaro?
Christiany: O eleitorado de direita em Mato Grosso tende a se distribuir conforme a identidade política de cada segmento. O núcleo bolsonarista raiz continuará ao lado da família Bolsonaro. É um grupo movido por lealdade identitária e disciplinado pela lógica do enfrentamento. Esse segmento não relativiza atritos e tende a enxergar Mauro como alguém que se afastou da ortodoxia bolsonarista.
Há também uma parcela da direita mais pragmática, que acompanha Mauro desde ciclos anteriores e que não define seu voto a partir da aprovação ou reprovação de figuras nacionais. Esse grupo tende a permanecer com ele porque não opera dentro da lógica de alinhamento ideológico absoluto que caracteriza o bolsonarismo.
Existe ainda um eleitor conservador intermediário que pode circular entre os dois polos, dependendo do cenário eleitoral, das alianças definidas e da competitividade de cada candidatura. Esse segmento observa o conflito, mas decide politicamente mais perto da eleição.
O que o episódio produz, portanto, é uma reorganização interna. O bolsonarismo mantém hegemonia sobre seu núcleo orgânico, enquanto Mauro preserva influência sobre setores da direita que não dependem da chancela identitária para definir seu alinhamento.
– Qual é a leitura da direita nacional sobre o episódio? Isso ameaça articulações para 2026 envolvendo Mauro e o bolsonarismo?
Christiany: Do ponto de vista das articulações, o episódio acende um alerta imediato. A família Bolsonaro costuma operar dentro de uma lógica que espera alinhamento público e deferência contínua. Quando um governador relevante rompe essa dinâmica e responde de forma autônoma, isso cria ruído nas conversas estratégicas para 2026. Não inviabiliza alianças, mas altera o campo de expectativas. A partir desse conflito, fica claro que Mauro não aceitará uma relação subordinada, o que muda a forma como o bolsonarismo calcula suas composições eleitorais.
A leitura da direita nacional é que ocorreu um choque de autoridade. O gesto de Mauro é visto como afirmação de independência dentro do campo conservador, algo incomum entre lideranças estaduais que costumam evitar confronto direto com a família Bolsonaro. Para setores da direita mais institucional, isso reconfigura Mauro como um ator que pretende operar com autonomia política, mesmo defendendo parte das pautas conservadoras.
Esse movimento também se conecta ao avanço de novas lideranças, especialmente Tarcísio. Caso ele se consolide como alternativa presidencial viável da direita, Mauro se posiciona naturalmente nesse eixo, que é menos identitário e mais institucional. Isso não rompe o diálogo com o bolsonarismo, mas torna explícito que Mauro não condicionará seu futuro político ao aval da ala mais ideológica, o que impacta as negociações para 2026.
– Há espaço para uma recomposição entre Mauro Mendes e os Bolsonaro, ou o desgaste pode se aprofundar ao longo das próximas semanas?
Christiany: Há espaço para recomposição, mas ela depende de cálculo político, não de afinidade. Mauro já sinalizou disposição para reduzir o conflito, porque sabe que a política em Mato Grosso exige articulação com vários segmentos da direita, principalmente com a direita bolsonarista, que é consolidada no estado. Já a ala bolsonarista opera dentro de uma lógica identitária, na qual o enfrentamento produz ganhos internos, especialmente para Eduardo, que fortalece sua posição quando mantém discursos duros.
A possibilidade de recomposição passa diretamente pela avaliação de Bolsonaro pai. Se o conflito comprometer a força da direita no estado, há chance de acomodação. Se o PL enxergar que precisa de Mauro para manter competitividade, isso abre caminho para uma solução costurada.
O desgaste pode continuar no curto prazo, principalmente entre militantes, mas no campo institucional tende a ser administrado conforme o calendário eleitoral se aproxima.
– Quem perde mais nesse conflito: Mauro, o bolsonarismo, Pivetta ou todos os lados?
Christiany: Todos perdem, mas cada um perde de um jeito diferente. Mauro perde porque deixa de operar no ambiente de unidade que conseguiu construir em 2022, quando articulou praticamente todo o campo conservador em torno de um mesmo eixo eleitoral. Agora, ao ver o bolsonarismo testando seus limites publicamente, ele se depara com uma nova configuração: já não é o governador que organiza a direita, mas um ator obrigado a administrar tensões internas. Esse deslocamento reduz seu controle sobre a própria base e obriga Mauro a fazer política em território menos previsível, onde a autoridade que antes era tácita passa a ser disputada.
O bolsonarismo também perde porque expõe fissuras num dos estados onde sempre teve um dos núcleos mais consolidados do país. Quando um grupo que preza pela ideia de unidade identitária se permite um conflito dessa proporção, ele transforma capital político em desgaste desnecessário. O episódio dá visibilidade às rivalidades internas, fragiliza a narrativa de coesão e mostra que o movimento não opera mais com o mesmo alinhamento automático que garantiu hegemonia na última década.
E Pivetta perde porque dependia de um ambiente minimamente coordenado entre governo e bolsonarismo para sustentar sua pré-campanha sem arestas. Ele vinha recebendo sinais claros de simpatia de quadros estratégicos do PL, e esses acenos criavam a expectativa de que Pivetta seria um nome capaz de dialogar com ambos os campos. Quando a relação entre Mauro e a família Bolsonaro se deteriora, esse canal se torna instável, e sua pré-campanha perde justamente o ativo que estava em construção: uma ponte confiável com o bolsonarismo local.
No conjunto, o prejuízo é coletivo. O conflito desorganiza a engrenagem que sempre deu vantagem competitiva à direita em Mato Grosso. Em vez de operar em expansão política, todos passam a operar em contenção de danos e nenhum dos lados capitaliza plenamente o desgaste do outro.




