Jurisprudência em decisão do STF contra Bolsonaro é questionada

Jurisprudência em decisão do STF contra Bolsonaro é questionada
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Ministro certifica trânsito em julgado antes do fim do prazo de embargos infringentes

Gustavo Moreno/STF

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal

DA FOLHAPRESS

O entendimento que abriu margem para o ministro Alexandre de Moraes determinar o cumprimento da pena do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta terça-feira (25) está sedimentado há anos no STF (Supremo Tribunal Federal), mas é questionado no mundo jurídico.

 

O prazo para a defesa opor novos embargos de declaração —recurso empregado esclarecer algum ponto de decisão— terminou na última segunda-feira (24), mas os advogados do ex-presidente ainda poderiam tentar outro tipo de recurso: os embargos infringentes.

 

Existe, no entanto, uma jurisprudência sólida no tribunal no sentido de que os infringentes —que permitem a rediscussão do mérito de ações e têm prazo maior— apenas podem ser admitidos quando há dois votos pela absolvição. Esta não é a situação de Bolsonaro.

 

Especialistas divergem sobre essa interpretação. Uma parte considera que, como ela não está fundamentada em lei ou regimento, pode afrontar o direito à ampla defesa. Outro julga que não há nenhuma irregularidade e que o entendimento está amparado pelo direito.

Bolsonaro foi condenado na Primeira Turma pelo placar de 4 votos a 1. O único a divergir foi o ministro Luiz Fux, que votou pela absolvição do ex-presidente.

 

O Código de Processo Penal prevê a possibilidade dos infringentes quando houver uma decisão de segunda instância não unânime. A legislação não trata do Supremo ou de quantos votos são necessários para que o recurso seja analisado pelos magistrados.

 

O regimento interno do STF estabelece que a possibilidade de infringentes contra decisão do plenário depende da existência de, no mínimo, quatro votos divergentes. O texto nada diz sobre quanto votos é preciso nas turmas ou sobre o caráter da divergência.

 

O principal precedente é o do ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf, condenado por lavagem de dinheiro. Em 2018, o tribunal fixou tese de que os infringentes valem contra decisão por maioria em ação penal nas turmas desde que haja dois votos absolutórios em favor do réu.

 

A lógica é que, na segunda instância, as turmas são normalmente compostas por 3 desembargadores. Uma decisão não unânime lá demanda 1 voto divergente (0,33 do total de magistrados). Daí porque, no plenário do STF, o número é 4 (0,33 x 11 = 3,66) e, na turma do Supremo, 2 (0,33 x 5 = 1,65).

 

Assim, de acordo com Raquel Scalcon, professora da FGV Direito SP, nem o Código de Processo Penal nem o regimento do STF exigem uma divergência qualificada. Esta foi uma lacuna preenchida pelos ministros com base em uma lógica de proporcionalidade.

 

Para ela, como o critério não está previsto em nenhuma das normas, essa construção jurisprudencial não é a mais adequada do ponto de vista da legalidade. “Houve uma criação de uma regra que não está escrita, uma regra pior, que é contra o réu, contra o direito de defesa.”

 

O criminalista Renato Vieira, doutor em direito processual penal pela USP, diz que essa interpretação limita um recurso criado para favorecer a defesa e contraria a lógica do legislador: “Em vez de garantir o exercício, amesquinha o direito da atividade recursal.”

 

Para o advogado, o debate não se resume ao processo do ex-presidente e envolve uma escolha político-criminal mais ampla, que deve ser revisitada. A possibilidade de o recurso ser analisado não significa uma vitória automática da defesa; os infringentes podem ser negados, diz.

 

O entendimento mais restritivo sobre os embargos infringentes já foi aplicado, pelo próprio Moraes, na ação penal que condenou o ex-presidente Fernando Collor e, mais recentemente, no caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, a Débora do Batom.

 

Promotor aposentado do Ministério Público de São Paulo, o advogado Fauzi Hassan Choukr afirma não ver excessos na interpretação do Supremo. Para ele, o entendimento está amparado tanto na lei quanto no sistema internacional que trata do direito de defesa.

 

“[As normas devem garantir] que a parte acusada no processo penal tenha direito de se insurgir contra a decisão que lhe é prejudicial de forma eficaz e completa. Ora, [mas] isto não significa dizer que deve existir recurso de toda e qualquer decisão”, rebate.

 

Maíra Salomi, vice-presidente da Comissão de Direito Penal do IASP (Instituto dos Advogados de Săo Paulo), considera, por um lado, que essa jurisprudência traz celeridade ao processo e maior nível de segurança jurídica a uma lacuna do regimento interno.

 

Por outro lado, acredita que essa interpretação contraria o princípio da ampla defesa. “Estamos tratando de uma condenação criminal, que envolve penas privativas de liberdade, de modo que deveria ter, sim uma interpretação mais benéfica, e não mais restritiva”.

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